quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

e vem-me à memória uma frase batida

A vida é um lugar muito estranho. Como diria Jim Morrison, o mais estranho que já vi. A gente vê filmes, lê livros, ouve histórias e imagina coisas, mas ao romper de cada dia há sempre uma surpresa, um twist, um golpe de teatro, algo inesperado que surge e muda tudo, mesmo quando tudo parece ir numa determinada direcção, um caminho que conhecemos de cor e cujas curvas e contracurvas aprendemos a antecipar com o próprio corpo. E até mesmo quando a surpresa não vem como surpresa, o susto, ainda que esperado, provoca um baque, um soco no peito, ele próprio um susto dentro do susto.
Quando era pequena, imaginava todo o tipo de situações e algumas delas pareciam-me totalmente impossíveis de me acontecer. Aliás, ainda hoje há coisas que suponho não serem para mim, por serem boas de mais, más de mais, insólitas de mais. Porque não as mereço, porque não estou à altura delas, porque não estão à minha altura. Porque só acontecem a pessoas normais ou, pelo contrário, porque estão reservadas para seres excepcionais. Ou porque nada fiz para que sucedessem. Ou ainda porque as sonho com demasiada intensidade. Talvez as tema e elas me fujam. Quem sabe por isso mesmo me persigam...
E um dia, de repente, como um cogumelo numa praia - ah, pois é, eu vi!!! - , eis que tudo muda de figura, a vidinha dá uma cambalhota e o nosso mundo transforma-se. Alguma coisa acontece. Alguma coisa que conhecemos dos livros, dos filmes, de ouvir dizer. O nosso nome escrito no jornal, mas não por debaixo do título. A nossa foto partilhada por pessoas que não conhecemos. E não, não é a publicação do livro que aguarda há anos na gaveta. Não é o reconhecimento por algo que tenhamos feito, pelo menos por algo de valor ou de destaque. Não. É por algo arbitrário, algo que tanto poderia ter sido como não, algo que na verdade não nos pertence, algo como ter comprado uma rifa e ter-nos calhado a nós o prémio, ou subitamente mordermos a fava de um bolo-rei do qual aceitámos uma fatia mais por delicadeza que por gostarmos realmente do dito. E partirmos o dente.
Sei que isto que digo pode parecer ingrato, mas preferia mil vezes que me conhecessem por outro motivo, por algo de verdadeiramente significante, algo de meu. Distribuir panfletos é um acto tão anónimo, tão anódino para mim... Nem sequer gosto muito de distribuir panfletos. Aliás, na verdade, não gosto de distribuir panfletos. O que ia fazer naquele dia era outra coisa. A minha ideia não era aquela. Eu não queria que olhassem para mim. Queria que olhassem para nós. Que aceitassem que existimos, embora não façamos parte dos números. Que reconhecessem o nosso direito a integrar as estatísticas. O sentido daquela acção era mostrar às pessoas que as andam a enganar. Explicar aos meus colegas/camaradas jornalistas que a cada vez que eles substituem a expressão "x inscritos nos centros de emprego" por "x pessoas sem trabalho" estão a mentir. E que isso é grave. E que não é uma questão semântica. E independentemente do que venha a suceder amanhã, é isto que importa. O resto é ruído. Porque condenada já eu fui. Há anos e anos. E fui eu que me condenei, quando optei por ser como sou. Pouco discreta. Pouco calada. Barraqueira.

E vem-me à memória uma frase batida, uma frase que subitamente toma um novo sentido, uma dimensão inteiramente inesperada:

"See you in court".

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